segunda-feira, 29 de junho de 2009

O Uívo e o silêncio - Escrito por Paulo Leminski



O Uívo e o silêncio

A poesia "beat" é uma vanguarda?

Se considerarmos o Uivo (Howl) de Ginsberg (1956) como uma espécie de manifesto (manusgrito, obgesto) da poesia "beat", ela é praticamente contemporânea da Poesia Concreta brasileira, cujo Plano Piloto é exatamente de 1958.

No Brasil, em 1956, Décio Pignatari fazia "Terra", Haroldo de Campos dava à luz seu "SI LEN CIO" e Augusto de Campos compunha "Tensão". Nunca os astros de Estados Unidos e Brasil estiveram em tão rigorosa oposição.

Lá, a vanguarda, representada por um Ginsberg, um Ferlinghetti, um Corso, passava-se numa pauta oral. Aqui, a vanguarda concreta representava, sobretudo, uma radicalização da dimensão visual da poesia. A poesia concreta é o "poster", o "out-door", os anúncios luminosos, e, hoje, o vídeo-texto. A poesia "beat" é o recital, o poema feito para ser falado, caudalosas torrentes esperando uma voz. Duas poesias, duas vanguardas: duas mídias distintas. Outras coisas, ainda, distinguem as duas.

A poesia "beat" é indissolúvel de um gesto comportamental, que foi a vida "beatnik", da qual é a legítima expressão lírica. A poesia concreta brasileira resultou de um trabalho intelectual, realizado, com alta ênfase na racionalidade, nas fronteiras entre a arte e a ciência. Uma textosignovisão global. E produziu sua própria teoria, a reflexão sobre si mesma, o aprofundamento do ser-poesia, enquanto signo, enquanto código, enquanto matéria e consciência de linguagem. Já a poesia "beat", pela própria natureza da sua proposta, não poderia produzir teóricos nem ensaístas. E seu alcance e abrangência intelectual é, necessariamente, menor do que a da poesia concreta brasileira, sua contemporânea. A título de paradoxo, daria para constatar que, nesse momento, a poesia norte-americana buscava o que o Brasil, país de analfabetos, tem de sobra, a oralidade. E o Brasil, ao contrário, no setor mais radical da sua poesia, buscava aquilo que a civilização tecnológica norte-americana produzia de mais vivo, na área de comunicação de massas. Estranhas inversões, destinos cruzados.

Com tudo isso, a poesia "beat" produziu, sim, poetas e poemas de primeira qualidade. Ginsberg, Ferlinghetti e Corso são vozes que, enquanto a alma humana tiver ouvidos para "a voz que é grande dentro da gente", não vai faltar amor pra eles.

Por Paulo Leminski, do livro Anseios Crípticos
Editora Criar, 2001

domingo, 28 de junho de 2009

On The Road - Jack Kerouac



Jack Kerouac escreveu sua obra-prima “On The Road” em apenas três semanas. O fôlego narrativo alucinante do escritor impressionou bastante seus editores. Jack usava uma máquina de escrever e uma série de grandes folhas de papel manteiga, que cortou para servirem na máquina e juntou com fita para não ter de trocar de folha a todo momento. Redigia de forma ininterrupta, invariavelmente sem a preocupação de cadenciar o fluxo de palavras com parágrafos. On the Road é um dos principais expoentes da Geração Beat estadunidense, sendo uma grande influencia para a juventude dos anos 60, que colocavam a mochila nas costas e botavam o pé na estrada. Foi lançado nos Estados Unidos da América, pela primeira, vez em 1957. Responsável por uma das maiores revoluções do século XX, On the Road escancarou ao mundo o lado sombrio do sonho americano, a partir da viagem de dois jovens – Sal Paradise e Dean Moriaty – que atravessaram os Estados Unidos de costa a costa.

Episódio de On the Road:

Em julho de 1947, juntando uns 50 dólares do meu velho seguro de veterano, eu estava pronto para ir à Costa Oeste. Meu amigo Remi Boncoeur havia escrito uma carta de São Francisco dizendo que eu deveria vir para embarcar com ele num navio que desse a volta ao mundo. Ele jurava que conseguiria me arranjar um lugar na casa de máquinas. Respondi-lhe dizendo que já estaria satisfeito com qualquer velho cargueiro, contanto que pudesse curtir algumas longas navegadas pelo Pacífico e voltar com grana suficiente para me sustentar na casa de minha tia enquanto terminasse meu livro. Ele falou que possuía uma cabana em Mill City e que lá eu teria todo o tempo do mundo para escrever enquanto a gente aguardasse a encheção de saco burocrática de antes da viagem. Ele estava vivendo com uma garota chamada Lee Ann; disse que ela era uma cozinheira maravilhosa e que tudo iria dar certo. Remi era um velho colega da escola preparatória, um francês criado em Paris e um cara realmente muito louco - nesta época eu não imaginava o quanto! Portanto ele aguardava a minha chegada para dentro de uns dez dias. Minha tia estava inteiramente de acordo com minha viagem para o Oeste; ela achava que isso me faria bem, eu havia .trabalhado duro durante o inverno e ficado demais dentro de casa; ela não reclamou nem mesmo quando eu lhe disse que teria que pegar umas caronas. Tudo o que ela esperava era que eu voltasse inteiro. E assim, certa manhã, deixando meu grosso manuscrito incompleto sobre a escrivaninha e dobrando pela última vez meus confortáveis lençóis caseiros, parti com meu saco de viagem no qual poucas coisas fundamentais haviam sido arrumadas, caindo fora em direção ao Oceano Pacífico com 50 dólares no bolso.

Eu tinha ficado delirando em cima de mapas dos Estados Unidos durante meses, em Paterson, e até lendo livros sobre os pioneiros e esses nomes instigantes como Platte e Cimarron e tudo mais e, no mapa rodoviário, havia uma longa linha vermelha chamada Rota 6, que conduzia da ponta do cabo Cod direto a Ely, Nevada, e daí mergulhava em direção a Los Angeles. Simplesmente vou ficar na 6 o tempo inteiro até Ely, disse a mim mesmo e confidencialmente dei a partida. Para pegar a Rota 6, eu deveria subir até Bear Mountain. Sonhando com as curtições de Chicago, Denver e finalmente de San Fran, peguei o metrô da Sétima Avenida até o fim da linha na rua 242, e lá tomei o tróleibus para Younkers; do centro de Younkers um novo tróleibus me conduziu até os limites da cidade, na margem leste do rio Hudson. Se você jogar uma rosa na misteriosa nascente do rio Hudson, em Adirondacks, imagine todos os lugares pelos quais ela viajará antes de desaparecer no mar para sempre -pense no sublime vale do Hudson! Meu polegar apontava montanha acima.

Cinco caronas esparsas me conduziram à ambicionada ponta de Bear Mountain, onde a Rota 6 penetra em curva depois de deixar a Nova Inglaterra. Começou a chover torrencialmente assim que fui deixado ali. Era uma zona montanhosa. Atravessando o rio, a Rota 6 fazia um enorme retorno e desaparecia na imensidão. Não só não havia nenhum tráfego como também chovia a cântaros e eu não tinha onde me abrigar . Tive que correr para debaixo de alguns pinheiros para me cobrir, o que não chegou a ser uma idéia genial; eu comecei a chorar e a praguejar e a esmurrar minha própria cabeça por ser tão estúpido. Estava a uns 60 quilômetros ao norte de Nova lorque e, durante todo o caminho, preocupado com o fato de, neste meu primeiro grande dia, estar avançando apenas para o norte ao invés de seguir para o Oeste dos meus sonhos. Agora, aqui estava eu encalhado justamente no limite mais setentrional desta viagem obsessiva. Corri uns 500 metros até um posto de gasolina abandonado, construído num elegante estilo inglês, e parei debaixo de um telhado gotejante. Muito acima de minha cabeça a hirsuta e imponente Bear Mountain enviava os trovões que gelavam minha alma. Tudo o que eu podia distinguir eram árvores nebulosas e a sombria vastidão se elevando aos céus. "Que porra estou fazendo aqui em cima?", xinguei, implorando por Chicago. "Justamente agora eles estão todos numa boa, curtindo os maiores baratos, e eu não estou lá, quando é que eu vou chegar lá?" -essas coisas. Milagrosamente um carro parou no posto abandonado; o homem e as duas mulheres que estavam dentro queriam consultar um mapa. Aproximei-me no ato e gesticulei na chuva; eles se questionaram; claro que eu parecia um maníaco, com meu cabelo todo.molhado e os sapatos encharcados. Meus sapatos, que perfeito idiota eu sou, eram umas sandálias mexicanas de corda trançada, absolutamente impróprias para a cruel noite chuvosa da América, para a noite voraz da estrada. Eles me deixaram entrar e me levaram de volta para Newburgh, o que aceitei como uma alternativa melhor do que ficar preso a noite inteira na desolada Bear Mountain. " Além disso", disse o homem, "praticamente não há tráfego pela 6. Se você realmente quer ir para Chicago, seria melhor ir pelo Túnel Holland em Nova lorque, e seguir em direção a Pittsburgh", e eu sabia que ele estava certo. Era meu sonho se azarando, a idéia idiota de que seria simplesmente maravilhoso seguir uma única e grande linha vermelha através da América, ao invés de tentar várias estradas e rotas.

Em Newburgh tinha parado de chover. Caminhei até o rio, e tive que voltar para Nova lorque num ônibus junto com uma delegação de professores primários que retornavam de um fim de semana nas montanhas - lereré, lereré, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá e eu simplesmente puto comigo mesmo, lamentando todo o dinheiro que tinha gasto e louco para pegar o rumo do Oeste, o que, na verdade, tinha tentado fazer durante o dia e a noite inteira, indo para cima e para baixo, para o norte e para o sul, como algo que não consegue dar a partida. Jurei que no dia seguinte estaria em Chicago, e tive certeza absoluta disso, já que decidi pegar um ônibus até lá mesmo que isso significasse gastar quase todo o meu dinheiro, mas não queria nem saber, contanto que estivesse em Chicago amanhã.


de On the road - Pé na estrada
Tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Froés
Editora Brasiliense, 1984


Download do livro "On The Road" de Jack Kerouac

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Arthur Rimbaud




Jean Nicolas Arthur Rimbaud (20 de outubro de 1854, Charleville - 10 de novembro de 1891, Marselha) foi um poeta francês. O livro Iluminura, editado pela primeira vez em 1886, é caracterizado pela ordem arbitrária dos textos e como o próprio testamento poético de Rimbaud. Definitivamente, a aplicação dos seus princípios poéticos de "alquimia verbal", de "pensamento cantado", seguindo a idéia de que o poeta é vidente por um longo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos, e com todos os sentidos que a palavra abriga é apresentado nesse livro.

Última parte de "Uma Estadia no Inferno":

Já é outono! — Mas por que lamentar um eterno sol, se somos levados à descoberta da claridade divina — longe das pessoas que morrem sobre as estações.
O outono. Nosso barco levantado por brumas paradas vira para o porto da miséria, a cidade enorme de céu manchado de fogo e lama. Ah! os trapos podres, o pão encharcado de chuva, a embriaguez, os mil amores que me crucificaram! Será que nunca acabará este vampiro rei de milhões de almas e corpos mortos e que serão julgados! Me revejo com a pele roída pelo lodo e pela peste, vermes nos cabelos e nos sovacos e vermes maiores ainda no coração, deitado entre desconhecidos sem idade, sem sentimento... Poderia ter morrido lá... Horrível lembrança! Detesto a miséria.
E temo o inverno porque é a estação do conforto!
— As vezes vejo no céu praias sem fim cobertas de brancas nações alegres. Um grande navio de ouro, acima de mim, agita suas bandeiras multicolores sob as brisas da manhã. Criei todas as festas, todos os triunfos, todos os dramas. Tentei inventar novas flores, novos astros, novas carnes, novas línguas. Pensei adquirir poderes sobrenaturais. Pois é! Devo enterrar minha imaginação e minhas lembranças! Uma bela glória de artista e contador levada embora!
Eu! eu que me disse mago ou anjo, dispensado de toda moral, sou devolvido ao chão, com um dever a procurar, e a realidade rugosa a abraçar! Camponês!
Estarei enganado? A caridade seria irmã da morte para mim? Enfim, pedirei perdão por ter-me alimentado de mentira. E vamos. Mas nenhuma mão amiga! E onde pedir o socorro?
Sim, a nova hora é pelo menos muito severa.
Pois posso dizer que a vitória me é dada: os rangeres de dentes, os assobios de fogo, os suspiros pestilentos se atenuam. Todas as lembranças imundas se apagam. Meus últimos lamentos fogem — ciúmes pelos mendigos, bandidos, os amigos da morte, os atrasados de toda espécie. — Danados, se eu me vingasse!
É preciso ser absolutamente moderno.
Nada de cânticos: manter o passo que foi ganho. Dura noite! O sangue seco fuma na minha face, e não tenho nada atrás de mim a não ser este horrível arbusto!... A luta espiritual é tão brutal quanto a batalha dos homens; mas a visão da justiça é prazer só de Deus.
No entanto é a vigília. Vamos receber todos os fluxos de vigor e ternura verdadeira. E na aurora, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades.
Por que falava de mão amiga! Uma bela vantagem é que posso rir dos velhos amores mentirosos, e cobrir de vergonha estes casais da mentira — eu vi o inferno das mulheres lá; — e me será permitido possuir a verdade numa alma e num corpo.

Rimbaud - Abril / agosto 1873.


Download do livro Iluminuras de Rimbaud

terça-feira, 23 de junho de 2009

Machado de Assis - (Resenha)



O Mal-entendido Original

“O problema do desencontro é fundamental na formulação e interpretação do homem machadiano. ‘Mal-entendido original’, ou portador de tal atribuição, ele ganha estatuto centralizador da vida social e individual e se transforma em guia e desgoverno da criatura, para fazer do homem vítima e joguete de sua tessitura.”

J.C. Garbuglio


Os contos “O Homem Célebre”, “Cantiga de Esponsais” e “O Machete”, escritos por Machado de Assis, tratam do desencontro interior do indivíduo que surge como símbolo do “mal-entendido original”, ou seja, dialogam entre si sobre a condição “Ambição versus Vocação”, discorrendo através da narrativa sobre os diferentes fatores sociais e psicológicos que geram na personagem o desencontro de si mesma, mascarando-a com o sucesso para o exterior, representado pela relação da personagem com o ambiente (tempo e espaço) em que é inserida e comprovando pela demonstração de seu interior o desarranjo e desarmonia, gerada pela insatisfação com a arte, que a “criatura” possui, sendo ela, deste modo, vítima da própria criação.
Os músicos Pestana, Romão e Inácio Ramos são representações de um foco narrativo sobre uma mesma questão: a impossibilidade do homem de transcender e ser senhor de sua criação, de aprimorar-se naquilo que deseja ser e não naquilo que aparenta ser, em outras palavras, de tornar o desejo interior em exterior superando as diferenças entre os ideais e a realidade. Porém, tal desejo em nenhuma das personagens se realiza, todas, inevitavelmente, são suplantadas, seja pela incapacidade de expor na arte escolhida aquilo que se sente, seja pela falta de inspiração na escolha das notas musicais ou pelos limites impostos pela própria vocação, o narrador impele-os para um fim trágico; “bem com os homens e mal consigo mesmo.”
A vocação surge como um duplo: sustenta as personagens perante suas necessidades básicas e impede-as de satisfazer suas maiores ambições. Pestana, homem popularmente reconhecido como compositor de polcas, reprime-se pela simplicidade de sua criação. Na casa onde mora, cercado de retratos dos músicos que considera imortais, tenta inutilmente alcançar e tomar para si o dom da imortalidade que somente a música erudita pode proporcionar. Polcas são populares e delas Pestana tira seu sustento, entretanto, o compositor almeja aquilo que a simples popularidade desse estilo musical não pode oferecer: ser mais um rosto nos retratos imortais.
Romão Pires é, como conta o narrador, um “velho” de sessenta anos profundo conhecedor da teoria musical e publicamente conhecido como Mestre Romão que ganha vida ao reger uma missa cantada: “O olhar acendia-se, o riso iluminava-se: era outro.” Romão almeja não só expressar na música aquilo que sente, mas também tornar-se um grande compositor. Já idoso, decide terminar o canto esponsalício iniciado quando jovem. Nada. Nenhuma inspiração faz possível finalizá-lo. O desfecho ocorre quando o mestre deparava-se com a nota musical “lá” que tanto procurou saído da boca de uma jovem recém-casada. A música, portanto, é natural, sentimental e criada por acaso pela pura inspiração da felicidade, não bastando apenas os conhecimentos teóricos, mas também o dom que não é alcançado pelo Mestre Romão: a espontaneidade.
Para Inácio Ramos, personagem principal do conto “O Machete”, a rabeca representa seu oficio, seu modo de vida, enquanto para o violoncelo ele guardava suas maiores aspirações. Mesmo assim é outro instrumento com outro gênero musical que prevalece. Barbosa, músico que toca o machete, destaca-se no decorrer da narrativa e, no desfecho, acaba por fugir com a esposa de Inácio que encerra o conto de modo trágico e em uma só linha: “A alma do marido chorava, mas os olhos estavam secos. Uma hora depois enlouqueceu.”
Sendo assim, tais personagens ao mesmo tempo em que são artistas, não produzem especificamente a arte que desejam, o pretendido é distante do que foi alcançado e do que pode ser alcançado, formulando, assim, uma crítica a própria arte ao qual ao mesmo tempo que emociona e satisfaz seus interlocutores, podendo, inclusive, despertar novos sentimentos e gerar a purificação pela Catarse, pode ser trágica para aquele por quem é produzida.

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Yan.

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http://multipapos.blogspot.com/2009/05/ensaios-de-alunos-de-graduacao-com.html

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segunda-feira, 22 de junho de 2009

Primeiras Estórias de João Guimarães Rosa - (Resenha)




A Transcendência da Loucura em Primeiras Estórias

O mito é o nada que é tudo
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo.

Fernando Pessoa.

- Em que espelho ficou perdida a minha face?

Cecília Meireles.

O livro de contos intitulado “Primeiras Estórias”, escrito por Guimarães Rosa, foi publicado em 1962. A época é considerada como a Terceira fase do Modernismo brasileiro ao qual possui como expoentes, além de Guimarães, Clarice Lispector na prosa e João Cabral de Melo Neto na poesia. No contexto brasileiro surgia a Bossa Nova, o cinema novo e na política o Plano de Metas era inaugurado, fatos que servem como plano de fundo para o que ficou conhecida como a Geração de 45 na literatura.
O próprio autor cunhou o gênero “estória” como um conto breve. Sendo assim, para o estudo dessa obra vários recortes são possíveis: a relação entre o mítico e o místico, do sagrado e do profano, a violência do conto “Os irmãos Dagobé”, a metáfora da transcendência na “Terceira Margem do Rio” ou a loucura de contos como “Sôroco, sua mãe, sua filha.” Porém, ao decompor alguns desses termos e buscar sua definição percebe-se que certa relação entre alguns é possível. Isso me motivou a buscar não somente um recorte, excluindo outros pontos, mas sim, traçar parâmetros e relacioná-los de modo que se complementem.
A definição, portanto, de alguns dos termos tratados se faz necessário, mas a consciência de que a literatura não se limita a definições também, pois é a polissemia literária, entre outros fatores, que a faz ser presente como um fenômeno propriamente dito.
Primeiramente, mítico refere-se ao mito entendido como as narrativas baseadas em lendas e em tradições criadas para, em sua maioria, explicarem a criação do mundo ou seus fenômenos. Desta forma, o mito é “o nada que é tudo” na medida em que integra a realidade em si tentando manuseá-la e também é nada por ser internalizada no campo da ficção. O próprio conceito de “estória” do título do livro é referente ao campo do ficcional, das “narrativas curtas” que é sua definição.
Místico refere-se ao misticismo, ao sagrado e ao espiritual em que se acredita na experiência direta com uma entidade superior, do encontro do homem com Deus, entendido aqui como algo muito mais abrangente e não, de fato, personificado, e sim, transcendente. No livro “O Mundo de Sofia”, escrito por Jostein Gaarder, encontra-se a seguinte citação referente ao misticismo: “Uma experiência mística significa experimentar a sensação de fundir sua alma com Deus. É que o ‘eu’ que conhecemos não é nosso ‘eu’ verdadeiro e os místicos procuravam conhecer um ‘eu’ maior que pode possuir várias denominações: Deus, espírito cósmico, universo, etc.”
A transcendência significa “ir além” da forma, as experiências místicas são um estado particular de “auto-transcendência.” No campo literário, a catarse pode ser entendida como transcendência por ser a própria revelação de sentimentos, a purificação do ser.
A loucura leva à transcendência. O louco, ou portador de alguma particularidade, possuiu capacidades que o permite diferenciar-se em relação ao que é dito como “normal”. Essa diferenciação pode acarretar a marginalização do sujeito que não aceita seguir as boas normas de conduta. O marginal é aquele que está à margem, é o próprio excluído. Seja a marginalização escolhida, como no conto “A Terceira Margem do Rio”, ou impelida, como no conto “Sôroco, sua mãe, sua filha”, o individuo busca a solidão, voluntário ou não, como metáfora de transcendência. O canto dos excluídos da filha e da mãe de Sôroco é a transcendência dos excluídos, que mesmo ausentes, criam um elo místico com aqueles de seu convício anterior à exclusão. A terceira margem, a própria inexistência, é buscada pelo pai do narrador personagem que, sem motivo aparente, abandona a estrutura familiar e a corrompe, deste modo, não satisfaz os ideais impostos, sua atitude o coloca a margem, na terceira margem, no lago mítico de Guimarães, transformando a personagem na própria criatura mítica na medida em que vive na memória de seus familiares. O pai ainda se faz presente, mesmo durante sua ausência. A presença existe no sentimento de perda e de culpa do filho.
No conto “O Espelho” narra-se uma experiência, um relato, não de forma tradicional. O leitor, chamado de “senhor” no decorrer do conto, é convidado a questionar-se sobre a mentira da aparência humana. A linguagem usada é erudita, o que destoa dos outros contos do livro. O narrador, que parece conversar com o leitor, busca o “que há por trás de mim”, busca seu verdadeiro eu, não encarado como sua imagem no espelho, mas além da forma: “Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente.” A busca do verdadeiro eu relaciona-se com a experiência mística, a transcendência, nesse caso, significa perder as máscaras, perder a imagem de seu sósia animal, livrar-se das idéias que os outros lhe atribuem, dos seus interesses e de suas paixões. É preciso sentir-se “nu” para alcançar a essência. Tal discurso pode parecer louco, conforme a sociedade em que é inserida. A loucura é ideologia: considera-se louco aquele fora dos ideais, sendo o papel da ideologia, segundo Karl Marx, mascarar a realidade, somente um louco pode livrar-se da própria penúria e analisar fatos corriqueiros como a própria imagem em um espelho: “Se nunca atentou para isso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes. E as máscaras moldadas nos rostos? Valem, grosso modo, para o falquejo das formas, não para explodir da expressão, o dinamismo fisionômico. Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.”
Em que espelho ficou perdida a minha face? Difícil resposta. Mas sendo loucos, ou não, a busca do que está além da forma, da transcendência, da experiência mística relaciona-se com o mito que é ficção, que é estória, como as pequenas narrativas de Guimarães Rosa.

Yan.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Arte no Escuro



"A banda Arte no Escuro foi fundada em 1985 e contava com Lui (voz), Pedro Hiena (baixo e letras), Adriano Lívio (bateria) e Paulo Coelho (guitarra). Já em sua primeira apresentação, a banda protagoniza cenas que serviriam de prólogo à sua lenda: ao cantar "Beije-me Callboy", canção sobre o submundo brasiliense com cenas de prostituição e suicídio, o vocalista Lui despeja um recipiente de tinta negra sobre si, num happening até hoje comentado pelos presentes. Musicalmente, a banda já iniciava com uma maturidade invejável, mas os anos seguintes provariam que havia muito ainda a realizar. Poucos meses após a primeira apresentação, o vocalista Lui deixa a banda e dá lugar à jovem Marielle Loyola, então recém-saída da Escola de Escândalo, onde fazia os vocais de suporte. Atualmente, Marielle se dedica à banda Cores D Flores e Pedro vive em Londres, enquanto os demais ex-integrantes parecem ter abandonado a música."

Arte no Escuro (1988)

01 - Beije-me Cowboy
02 - Na Noite
03 - Celebrações
04 - Entre as Aves de Rapina
05 - Vencidos
06 - Boró
07 - No fim
08 - As Rosas


Download - Arte no Escuro

quinta-feira, 11 de junho de 2009

5 Generais



"Com influência de bandas como o The Cure, Siouxsie and the Banshees e Cocteau Twins o 5 Generais foi considerada uma das primeiras bandas góticas do cenário brasileiro. Surgida em Brasília em meados da década de 80, o quarteto 5 Generais destacou-se pelo som nostálgico, a simplicidade e a sinceridade de suas músicas. Brasília foi um dos maiores e mais peculiares focos de produção nacional em plena ditadura: urbanas, noturnas, introspectivas, permeadas numa solidão altiva e da mais visceral insubmissão juvenil, essas canções repletas de 'rancores guardados ao Deus e ao Rei' são verdadeiros retratos daquela geração. Mas se você nunca ouviu sozinho em seu quarto escuro João Vicente cantando 'Outro Trago', não tem idéia do que seja isso..."

01 - Outro Trago
02 - Pássaros Negros
03 - Por um momento
04 - Ronda
05 - Ratos De Brasília
06 - Nas Linhas
07 - Ouça-Me
08 - Falsos Sorrisos
09 - Marianna
10 - Levante da Cadeira
11 - Sábado


Download - 5 Generais

quarta-feira, 10 de junho de 2009

William Blake



"William Blake nasceu em Londres no ano de 1757, desde muito dizia ter visões. A primeira delas ocorreu quando ele tinha cerca de nove anos, ao declarar ter visto anjos pendurando lantejoulas nos galhos de uma árvore. William Blake viveu uma época de intensa mudanças sociais: A Revolução Americana, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial aconteceram durante sua vida. Foi o primeiro dos grandes poetas românticos ingleses, como também pintor, impressor, e um dos maiores gravadores da história inglesa. Ilustrou livros como "O livro de Jó" da Bíblia e "A Divina Comédia" de Dante Alighieri - trabalho interrompido pela sua morte - Blake criou sua própria mitologia para descrever o que encontrou em sua alma. Aos 67 anos começou os desenhos para o "Inferno" da Divina Comédia de Dante, e foi tão dedicado que aprendeu o italiano para aprofundar melhor no universo desse autor; trabalhando nestes desenhos até os últimos dias de sua vida... A alusão que Aldous Huxley faz ao poeta William Blake nos títulos de seus dois ensaios sobre as drogas alucinógenas é clara: As Portas da Percepção (1954) e Céu e Inferno (1956), baseado nisso, Jim Morrison, na década de 60, criaria a banda 'The Doors' cujo nome fora inspirada na leitura de 'As portas da Percepção' de Huxley."

"If the doors of perception were cleansed everything would appear to man as it is, infinite."
"Se as portas da percepção estivessem limpas tudo apareceria para o homem tal como é: infinito."
Citação de Willam Blake

Provérbios do Inferno
William Blake

No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos.
A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência.
Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.
O verme partido perdoa ao arado.
Mergulha no rio quem gosta de água.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio.
Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela.
A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.
A abelha atarefada não tem tempo para tristezas.
As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria.
Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes.
Torna do número, do peso e da medida em ano de escassez.
Nenhum pássaro se eleva muito, se eleva com as próprias asas.
Um cadáver não vinga as injúrias.
O ato mais sublime é colocar outro diante de ti.
Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando Sábio.
A loucura é o manto da velhacaria.
O manto do orgulho é a vergonha.
As Prisões se constroem com as pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião.
O orgulho do pavão é a glória de Deus.
A luxúria do bode é a glória de Deus. A fúria do leão é a sabedoria de Deus. A nudez da mulher é a obra de Deus.
O excesso de tristeza ri; o excesso de alegria chora.
A raposa condena a armadilha, não a si própria.
Os júbilos fecundam. As tristezas geram.
Que o homem use a pele do leão; a mulher a lã da ovelha.
O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.
O sorridente tolo egoísta e melancólico tolo carrancudo serão ambos julgados sábios para que ejam flagelos.
O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado.
A ratazana, o camundongo, a raposa, o coelho olham as raízes; o leão, o tigre, o cavalo, o elefante olham os frutos.
A cisterna contém; a fonte derrama.
Um só pensamento preenche a imensidão.
Dizei sempre o que pensa, e o homem torpe te evitará.
Tudo o que se pode acreditar já é uma imagem da verdade. A águia nunca perdeu tanto o seu tempo como quando resolveu aprender com a gralha.
A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão.
De manhã, pensa; ao meio-dia, age; no entardecer, come; de noite, dorme.
Quem permitiu que dele te aproveitasses, esse te conhece.
Assim como o arado vai atrás de palavras, assim Deus recompensa orações.
Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.
Da água estagnada espera veneno.
Nunca se sabe o que é suficiente até que se saiba o que é mais que suficiente.
Ouve a reprovação do tolo! É um elogio soberano!
Os olhos, de fogo; as narinas, de ar; a boca, de água; a barba, de terra.
O fraco na coragem é forte na esperteza.
A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão, ao cavalo, como apanhar sua presa. Ao receber, o solo grato produz abundante colheita.
Se os outros não fossem tolos, nós teríamos que ser.
A essência do doce prazer jamais pode ser maculada.
Ao veres uma Águia, vês uma parcela da Genialidade. Levanta a cabeça!
Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para deitar seus ovos, assim o sacerdote lança sua maldição sobre as alegrias mais belas.
Criar uma florzinha é o labor de séculos.
A maldição aperta. A benção afrouxa.
O melhor vinho é o mais velho; a melhor água, a mais nova.
Orações não aram! Louvores não colhem! Júbilos não riem! Tristezas não choram!
A cabeça, o Sublime; o coração, o Sentimento; os genitais, a Beleza; as mãos e os pés, a Proporção.
Como o ar para o pássaro ou o mar para o peixe, assim é o desprezo para o desprezível.
A gralha gostaria que tudo fosse preto; a coruja, que tudo fosse branco.
A Exuberância é a Beleza.
Se o leão fosse aconselhado pela raposa, seria ardiloso.
O Progresso constrói estradas retas; mas as estradas tortuosas, sem o Progresso, são estradas da Genialidade.
Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos.
Onde o homem não está a natureza é estéril.
A verdade nunca pode ser dita de modo a ser compreendida sem ser acreditada.
É suficiente! Ou Basta.

domingo, 7 de junho de 2009

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos



O vídeo é uma performance de dança-teatro baseada no "Poema Negro" de Augusto dos Anjos.

"Famoso pela originalidade temática e vocabular, Augusto dos Anjos recorreu a uma infinidade de termos científicos, biológicos e médicos ao escrever seus versos nos quais expressa, por princípio, um forte pessimismo em relação a natureza e a condição humana. Seu único livro, Eu, foi publicado pela primeira vez em 1912."

Download do Livro "Eu"

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Chappaqua




Direção: Conrad Rooks
Duração: 82 minutos
País: Estados Unidos/França
Ano: 1966

"Meu nome é Russel Harwick. Começo este diário como um registro de minhas experiências enquanto sofria de alcoolismo. Comecei a beber de forma moderada aos 14 anos nas férias com os amigos. Aos 15 sofria de delirium tremens (ataques do alcoolismo). Aos 19, descobri que maconha, haxixe, cocaína ou heroína afastavam-me do álcool por um período. Meu padrão se tornou um aterrorizante labirinto de álcool e de drogas. Finalmente fui introduzido aos alucinógenos: peyote, psilocibina e LSD 25."

Esse é o cartão de visita de Chappaqua. O filme tem participações dos escritores William Burroughs, Allen Ginsberg e Moondog, do músico Ornette Coleman e do guru Swami Satchidananda, dentre outras.

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