terça-feira, 23 de junho de 2009
Machado de Assis - (Resenha)
O Mal-entendido Original
“O problema do desencontro é fundamental na formulação e interpretação do homem machadiano. ‘Mal-entendido original’, ou portador de tal atribuição, ele ganha estatuto centralizador da vida social e individual e se transforma em guia e desgoverno da criatura, para fazer do homem vítima e joguete de sua tessitura.”
J.C. Garbuglio
Os contos “O Homem Célebre”, “Cantiga de Esponsais” e “O Machete”, escritos por Machado de Assis, tratam do desencontro interior do indivíduo que surge como símbolo do “mal-entendido original”, ou seja, dialogam entre si sobre a condição “Ambição versus Vocação”, discorrendo através da narrativa sobre os diferentes fatores sociais e psicológicos que geram na personagem o desencontro de si mesma, mascarando-a com o sucesso para o exterior, representado pela relação da personagem com o ambiente (tempo e espaço) em que é inserida e comprovando pela demonstração de seu interior o desarranjo e desarmonia, gerada pela insatisfação com a arte, que a “criatura” possui, sendo ela, deste modo, vítima da própria criação.
Os músicos Pestana, Romão e Inácio Ramos são representações de um foco narrativo sobre uma mesma questão: a impossibilidade do homem de transcender e ser senhor de sua criação, de aprimorar-se naquilo que deseja ser e não naquilo que aparenta ser, em outras palavras, de tornar o desejo interior em exterior superando as diferenças entre os ideais e a realidade. Porém, tal desejo em nenhuma das personagens se realiza, todas, inevitavelmente, são suplantadas, seja pela incapacidade de expor na arte escolhida aquilo que se sente, seja pela falta de inspiração na escolha das notas musicais ou pelos limites impostos pela própria vocação, o narrador impele-os para um fim trágico; “bem com os homens e mal consigo mesmo.”
A vocação surge como um duplo: sustenta as personagens perante suas necessidades básicas e impede-as de satisfazer suas maiores ambições. Pestana, homem popularmente reconhecido como compositor de polcas, reprime-se pela simplicidade de sua criação. Na casa onde mora, cercado de retratos dos músicos que considera imortais, tenta inutilmente alcançar e tomar para si o dom da imortalidade que somente a música erudita pode proporcionar. Polcas são populares e delas Pestana tira seu sustento, entretanto, o compositor almeja aquilo que a simples popularidade desse estilo musical não pode oferecer: ser mais um rosto nos retratos imortais.
Romão Pires é, como conta o narrador, um “velho” de sessenta anos profundo conhecedor da teoria musical e publicamente conhecido como Mestre Romão que ganha vida ao reger uma missa cantada: “O olhar acendia-se, o riso iluminava-se: era outro.” Romão almeja não só expressar na música aquilo que sente, mas também tornar-se um grande compositor. Já idoso, decide terminar o canto esponsalício iniciado quando jovem. Nada. Nenhuma inspiração faz possível finalizá-lo. O desfecho ocorre quando o mestre deparava-se com a nota musical “lá” que tanto procurou saído da boca de uma jovem recém-casada. A música, portanto, é natural, sentimental e criada por acaso pela pura inspiração da felicidade, não bastando apenas os conhecimentos teóricos, mas também o dom que não é alcançado pelo Mestre Romão: a espontaneidade.
Para Inácio Ramos, personagem principal do conto “O Machete”, a rabeca representa seu oficio, seu modo de vida, enquanto para o violoncelo ele guardava suas maiores aspirações. Mesmo assim é outro instrumento com outro gênero musical que prevalece. Barbosa, músico que toca o machete, destaca-se no decorrer da narrativa e, no desfecho, acaba por fugir com a esposa de Inácio que encerra o conto de modo trágico e em uma só linha: “A alma do marido chorava, mas os olhos estavam secos. Uma hora depois enlouqueceu.”
Sendo assim, tais personagens ao mesmo tempo em que são artistas, não produzem especificamente a arte que desejam, o pretendido é distante do que foi alcançado e do que pode ser alcançado, formulando, assim, uma crítica a própria arte ao qual ao mesmo tempo que emociona e satisfaz seus interlocutores, podendo, inclusive, despertar novos sentimentos e gerar a purificação pela Catarse, pode ser trágica para aquele por quem é produzida.
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Yan.
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